GÊNERO " CRÔNICA"



Conceito Etimológico
    A palavra Crônica deriva do Latim chronica, que significava, no início da era cristã, o relato de acontecimentos em ordem cronológica (a narração segundo a ordem em que se sucedem no tempo). Era, portanto, um breve registro de eventos.
Da acepção primordial da crônica, narrativa cronológica das realizações dos grandes homens, com algumas pitadas de fatos do cotidiano, chegamos a seu sentido atual, ligado ao registro dos fatos do cotidiano, não necessariamente vividos por grandes homens (muito pelo contrário!), e produzido de forma livre e subjetiva.
(...) seja um registro do passado, seja um flagrante do presente, a crônica é sempre um resgate do tempo. (Ilka Brunhilde Laurito)
crônica [Do lat. chronica (nom. pl.).] S. f. 1. Narração histórica, ou registro de fatos comuns, feitos por ordem cronológica. 2. Genealogia de família nobre. 3. Pequeno conto de enredo indeterminado. 4. Texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou idéias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana. 5. Seção ou coluna de revista ou de jornal consagrada a um assunto especializado: crônica política; crônica teatral. 6. O conjunto das notícias ou rumores relativos a determinados assuntos: É inacreditável a crônica dos conchavos ocorridos naquele distante município. 7. Biografia, em geral escandalosa, de uma pessoa: Sua crônica é bem conhecida.

Origem da Crônica no Brasil:
Conceito Histórico
v  O gênero crônica passou por diversas modificações ao longo dos últimos séculos.
v  O sentido do termo crônica, na época de Caminha, era o de narrativa vinculada ao registro de acontecimentos históricos.
v  Na Idade Média e no Renascimento essa era a acepção de crônica em praticamente todos os países da Europa, incluindo Portugal.
v  A partir do século XVIII, o termo crônica começou a ser substituído por História, ramo do conhecimento que previa não somente o registro dos acontecimentos, mas também sua interpretação.
v  Já a significação de crônica como texto literário passou a ter maior expressão, no Brasil e em Portugal, a partir do século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a fazer parte dos jornais. Ela apareceu em primeira vez em 1999, no Journal de Débats,m publicado em Paris.
v  Com o passar do tempo, a crônica brasileira foi, gradualmente, distanciando-se daquela crônica com sentido documentário originada na França. Ela passou a ter um caráter mais literário, fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia.
v  Diversos escritores brasileiros de renome escreveram crônicas: Machado de Assis, João do Rio, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Henrique Pongetti, Paulo Mendes Campos, Alcântara Machado, etc.
v  Ainda hoje há diversos escritores que desenvolvem esse gênero, publicando textos em jornais, revistas e sites.
Trecho da Carta de Caminha
Senhor,
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que –para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza – porque o não saberei fazer – e os pilotos devem ter este cuidado.
E, portanto, Senhor, do que hei de falar começo:
E digo quê:
A partida de Belém foi – como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. É sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, às vistas delas, obra de três a quatro léguas.
E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto.

Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasaco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser!
Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... Não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita ilha – segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas – os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista da terra! A saber, primeiramentre de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras
mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra, Terra de Vera Cruz!
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos âncoras, em dezenove braças – ancoragem limpa.
Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela, manhã, fizemos vela e  seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos adiante – por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças – até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oitos, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lancamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio.
E tanto em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá,acudiram pela praia homens aos dois e aos três, e maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte”.
Trecho B
Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa
Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada.
Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todo sem arco. E misturaram-se  todos tanto conosco que uns nos ajudavam a carregar lenha e metê-las nos batéis.
E lutavam conosco com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dos carpinteiros uma grande cruz de um pau que se  ontem para isso cortara.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas  como cunhas, metidas em pau entre duas talas, mui bem,m ateadas e por tal  maneira que andam fortes, porque lhas viram lá.
Era já a conversação deles conosco tanto que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer
E o capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra.
Todavia os que vi não seriam mais que nove ou dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas pombas-seixeiras, e parecem-me maiores bastante do que as de Portugal.
Todavia segundo os arvoredos são muitos e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão há já muitas aves!
E cerca da noite nós volvemos para as naus  com nossa lenha”.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARTA DE CAMINHA

w  No trecho em que se inicia a crônica, Caminha se anuncia como observador dos fatos que narra de maneira impessoal.
    “ ... A qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi”...
Caminha, faz o registro do cotidiano a fim de melhor informar ao rei de Portugal os fatos do “Descobrimento”
A perspectiva do homem comum é tão importante quanto à narrativa de grandes fatos para que se possa ter uma idéia da realidade histórica de cada época.



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