O
descobrimento do Brasil: eu vi!
Mário
prata
Na próxima semana,
chega às livrarias o meu novo livro Minhas Vidas Passadas (a limpo), pela
Editora Globo, em que conto algumas regressões que fiz. Hoje, mostro para você
um trechinho de quando eu fui Anhangá, um índio muito do tropicalista lá da
região onde hoje é a Bahia. Estávamos no dia 22 de abril de 1500 e eu era tupi.
Em tempo: Leonardo, que
aparece abaixo, é o doutor Leonardo Ramos, psiquiatra e psicanalista com quem
fiz as sessões.
Anhangá – Eu havia
saído antes do sol com meu irmão Anhangué e meu primo Ibirapu para ir até as
mandiocas. As mulheres queriam fazer farinha. Fomos pelo caminho da praia.
Estava um dia muito bonito, o sol forte. Um vento bom.
Leonardo – Como vocês
estavam vestidos?
Anhangá – Como sempre.
Nada no corpo. Só pintura. Nus.
Leonardo – Como você se
pintavam?
Anhangá – Com urutum
vermelho. A gente tirava da semente da planta. Bom para proteger do sol e da
picada de insetos e mosquitos. Me deixa continuar.
Estou vendo a cena muito
bem. O sol já estava quase que inteiro sobre as nossas cabeças, quando eu olhei
para o mar e vi. Vi aquilo.
Anhangá – Anhangué,
olha aquilo!
Ibirapu – O que é
aquilo?
Anhangué – Que canoa
grande, irmão!
Anhangá – São muitas.
Mais de duas mãos inteiras.
Ibirapu – Duas mãos e
mais um dedo!
Anhangá – De onde é que
saiu isso? Será que é coisa que vem de dentro do mar? Coisa do mau espírito?
Ibirapu – Vamos fugir
daqui! Vamos buscar mais gente.
Anhangá – Calma! Estou
achando que está para acontecer alguma coisa muito importante. Vamos ficar
atentos.
Anhangá – Foi quando
uns deles vieram numa canoa pequena até a praia. A gente se aproximou. E
começamos a rir na cara deles. A gente era três, eles eram uns dez na canoa. E
a gente rindo deles. Tinha um, o mais engraçado, com jeito de mulher, que
ficava o tempo todo rabiscando uns risquinhos num papel. Tudo que a gente
fazia, ele fazia risquinhos, desenhinhos. Mas parecia mulherzinha. Os outros,
toda hora olhando para ele, diziam:
anotaperovás!
Leonardo – Como?
Anhangá – Anotaperovás.
Leonardo – Ah....
Anota, Pero Vaz.
Anhangá – Isso. E a
gente rindo, o Anhangué deitava no chão de tanto rir.
Leonardo – Rir? Do quê?
Anhangá – Dos panos que
eles usavam em cima do corpo. Tinham o corpo todo coberto de pano. Aquele sol,
eles savam. Brancos. Branco queimado, meio avermelhado. Difuerente. Falavam
coisas que a gente não entendia. E como fediam! Que cheiro horrível aqueles
homens brancos tinham! Acho que não tomavam banho havia várias luas.
Leonardo – E vocês se
comunicaram como?
Anhangá – O homem
branco, que parecia ser o chefe, fez sinal com a mão para a gente colocar os
arcos e as flechas na areia. A gente olhou um para o outro, homem branco fez
cara de homem bom. Sorriu. Senti que eles tinham medo de nós. Eu disfarçava,
mas também tinha medo. Pensei nas minhas mulheres, nos filhos... Colocamos os
arcos e as flechas na areia. Cada um de nós estava com sete flechas. O homem se
aproximou, tirou uma coisa da cabeça e falava "barrete, barrete, barrete"
e colocou na cabeça do Ibirapu, que ficou muito engraçado. Começamos a rir
dele, os homens brancos também.
Ibirapu começou a
dançar e a pular feito um menino. Rimos muito. Todos.
Depois de dar um mergulho com o tal de
barrete e o barrete se desmanchar todo, Ibirapu tirou um colar de conchinhas e
deu para um homem branco. O tal do anotaperovás.
Mal sabia eu, naquele dia, que aquela troca
de presentes era o começo da extinção de uma população hoje estimada em mais de
8 milhões de índios.
Anhangá – Aí eles
fizeram sinal para a gente ir com eles até o barco grande.
A gente ficou com medo.
Anhangá – O que vocês
acham?
Anhangué – Acho que não
tem perigo, não. Eles são muitos bobos.
Ibirapu – Sei não.
Aquele que fica fazendo rabisquinho me olha de um jeito muito esquisito. E se a
gente for até lá e eles levarem a gente embora? Pra dentro do mar?
Anhangué – E as
mandiocas? Vou acabar apanhando das minhas nove mulheres!
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