Retrato de velho
1-Tem
horror a criança. Solenemente, faz queixa do bisneto, que lhe sumiu com a palha
do cigarro, para vingar-se dos seus ralhos intempestivos. Menino é bicho ruim,
comenta. Ao chegar a avô, era terno e até meloso, mas a idade o torna coriáceo.
2-
No trocar de
roupa, atira no chão as peças usadas. Alguém as recolhe à cesta, para lavar.
Ele suspeita que pretende subtraí-las, vai à cesta, vasculha, retira o que é
seu, lava-o, passa-o. Mal, naturalmente.
3-
_Da próxima vez
que ele vier, diz a nora, terei de fechar o registro, para evitar que ele
desperdice água.
4-
Espanta-se com os
direitos concedidos às empregadas. Onde já se viu? Isso aqui é o paraíso das
criadas. A patroa acorda cedo para despertar a cozinheira. Ele se levanta mais
cedo ainda, e vai acordar a dona de casa:
5-
_Acorda, sua
mandriona, o dia já clareou!
6-
As empregadas
reagem a tirania, despedem-se. E sem empregadas, sua presença ainda é mais
terrível.
7-
As netas
adolescentes recebem amigos. Um deles um pintor, foi acometido de mal súbito e
teve de deitar-se na cama de uma das garotas. Indignação: Que pouca vergonha é
essa? Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem
é mais virgem?
8-
Vovô, o senhor é
um monstro!
9-
E é um custo
impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa.
10-
_ A senhora deixa
suas filhas irem ao baile sozinhas com os rapazes? Diga, a senhora deixa?
11-
_ Não vão
sozinhas,vão com os rapazes.
12-
_ Pior ainda!
Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo quanto é festa.
13-
_ Papai, a gente
nem pode entrar lá com as meninas. É coisa de brotos.
14-
_ É, não é? Pois
me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!
15-
Não se sabe o que
fazer dele. Que fim pode dar a velhos implicantes? O jeito é guarda-lo por três
meses e deixa-lo ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova mudança,
nas mesmas condições. O velho é duro:
16-
_ Vocês me deixam
esbodegado, vocês são insuportáveis!_queixa-se ao sair. Mas volta.
_ Descobri que paciência é uma forma de amor – Diz-me
uma das filhas,sorrindo. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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